Antes de tudo, a Lei Maria da Penha foi criada para proteger quem?
A Lei Maria da Penha foi criada para preservar as mulheres, estabelecendo formas de coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra elas.
A escolha de proteger apenas as mulheres ocorreu porque, em comparação aos homens, são elas quem possuem maior vulnerabilidade, sofrendo mais discriminações e violências. E a razão disso é que a cultura e a sociedade foram construídas por meio de valores patriarcais, os quais estabelecem a dominação masculina, em todos os âmbitos, principalmente dentro de casa e nas relações familiares e afetivas.
*Para entender o que é violência doméstica e familiar contra a mulher, clique aqui.
E as mulheres transexuais? Elas também estão amparadas por essa Lei?
A Lei Maria da Penha, estabelece, no seu artigo 6º, que a violência doméstica e familiar contra a mulher é uma forma de violação aos direitos humanos, protegendo-a independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, conforme o seu artigo 2º.
Mas o seu texto não diz que ela será aplicada independentemente da identidade de gênero, como fez em relação à orientação sexual (permitindo que a vítima – e autora – também seja uma mulher lésbica ingressada em uma relação homoafetiva). Por isso, os juízes e Tribunais começaram a adotar posicionamentos diferentes em relação à incidência dessa Lei às mulheres transexuais, proferindo decisões distintas.
Porém, a Lei Maria da Penha usa o termo “gênero”, e não “sexo”, ao dizer, no artigo 5º, que “configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. E isso é importante para decidir acerca da aplicabilidade dessa Lei às mulheres transexuais, já que sexo e gênero são conceitos diferentes.
Para explicar de forma breve: O sexo de um ser humano representa a sua anatomia, biologia e morfologia, como os órgãos reprodutores e genitais. Já o gênero é a construção sociocultural dos papéis, responsabilidades e modelos de comportamento que devem ser desempenhados por cada sexo – e que são diferentes aos homens e às mulheres.
Mas, agora, existe uma decisão importante do STJ sobre o tema:
O Superior Tribunal de Justiça – STJ, no dia 5 de abril de 2022, decidiu, com unanimidade, que a Lei Maria da Penha deve ser, sim, aplicada para proteger as mulheres transexuais que estão em situação de violência doméstica e familiar.
Para proferir essa decisão, esse Tribunal considerou que a relação de poder do homem sobre a mulher existe por causa da construção dos gêneros e que a própria Lei usa esse termo (“gênero”) em sua redação, como vimos. Além disso, o Ministro-Relator do caso, no Tribunal, Rogerio Schietti Cruz, ainda relembrou o fato de que o Brasil é responsável por 38,2% dos homicídios contra pessoas trans no mundo.
E essa é uma decisão importante porque o STJ é o responsável por dar uma solução definitiva para os casos civis e criminais que estão sendo decididos de forma diferente por cada juiz e Tribunal. Uniformizando, com isso, a interpretação da lei federal, desde que não envolva matéria constitucional nem a justiça especializada (como Justiça do Trabalho e Justiça Militar).
Portanto, se você é uma mulher trans e sofreu violência doméstica – ou está vivenciando no momento –, procure uma advogada criminalista especializada em gênero e em violência doméstica e familiar contra a mulher para analisar o seu caso e fornecer uma defesa proativa e acolhedora.
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