Até quando o pagamento do tributo tem o condão de extinguir a punibilidade dos crimes contra a ordem tributária?
O presente artigo tem o objetivo de elucidar a questão envolvendo a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo devido no caso de crimes tributários. A discussão diz respeito até qual momento processual o referido adimplemento da obrigação tributária tem o poder de operar tal efeito. Para tal resposta, é preciso fazer uma pequena retrospectiva da legislação.
A lei nº 8.137/1990 é a versão atual do instrumento legislativo que prevê a figura dos crimes contra a ordem tributária, nos seus artigos 1º e 2º e incisos. Tais crimes guardam ligação direta com o intuito de enganar a autoridade fazendária para se pagar menos ou nenhum tributo, através de figuras como fraude e sonegação. A pena dos crimes previstos no artigo primeiro varia entre 2 e 6 anos, e as do artigo segundo 6 meses a dois anos, ambos com a previsão de multa.
Uma eventual condenação que ocorra por crimes dessa natureza não faz com que os tributos deixam de ser devidos, tanto pelo fato de se tratar de esferas autônomas (criminal e tributária), como também pela necessidade de reparação pelos danos causados como efeito extrapenal da condenação.
O objetivo do Estado é a arrecadação. Não raro, processos por crimes contra a ordem tributária são utilizados – de forma arbitrária – com o objetivo de constranger o cidadão a pagar o tributo devido. Não é incomum que a pessoa jurídica seja devedora de impostos, como ISS ou ICMS, e os sócios sejam pessoalmente denunciados por crimes como o de sonegação, por exemplo.
No ano 2000, entrou em vigor a lei 9.964/2000, instituindo o REFIS – Programa de recuperação fiscal- que trouxe, em seu artigo 15, uma causa de suspensão da pretensão punitiva Estatal – a inclusão no REFIS, desde que essa adesão ocorresse antes do RECEBIMENTO da denúncia criminal.
Durante o período do REFIS, enquanto ocorresse o parcelamento, o Estado não podia levar adiante o processo criminal. Conforme o disposto no parágrafo 3º do referido artigo, se o tributo fosse pago integralmente, inclusive com seus acessórios, também se isso acontecesse antes do recebimento da denúncia.
Já a lei 10.684/03 trouxe, no seu artigo 9º, a mesma disposição do previsto na legislação de 2000, porém com uma grande e significativa diferença: não mais existia a necessidade de que a adesão ao REFIS ocorresse antes do recebimento da denúncia para que a suspensão da pretensão punitiva fosse suspensa.
Da mesma forma, o parágrafo segundo do mesmo artigo previa a extinção da punibilidade pelo pagamento integral do tributo, mas sem a ressalva da necessidade do pagamento anterior ao recebimento da denúncia.
Ou seja, o legislador foi silente nesse sentido, e os tribunais seguiram utilizando o entendimento anterior, conferindo o efeito extintivo da punibilidade apenas para os pagamentos/parcelamentos ocorridos antes do recebimento da denúncia.
Entendimento este que perdurou até 2017, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Habeas Corpus362.478, reformou a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que negou a extinção da punibilidade em crime tributário, uma vez que o pagamento do tributo ocorreu após o recebimento da denúncia.
O voto do ministro relator, Jorge Mussi, reconheceu que a ausência do marco temporal expressamente no artigo não poderia ser interpretada de forma a prejudicar o réu, uma vez que foi vontade do legislador não fazer constar essa ressalva.
Em outros Habeas Corpus nesse sentido, a interpretação dada pelo STJ é que a ausência do marco temporal é vontade do legislador, não cabendo ao Poder Judiciário estipular esse limite.
Novamente, como foi dito anteriormente, o objetivo do Estado é a arrecadação, e não importando o momento em que o pagamento aconteceu, inclusive após o trânsito em julgado do processo.
Sumarizando, o entendimento atual, por força de precedente criado pelo STJ, é que o pagamento integral do tributo, inclusive das obrigações acessórias, tem o condão de extinguir a punibilidade no caso dos crimes contra a ordem tributária, alcançando, inclusive os processos que já estejam em fase de cumprimento de pena.
É preciso ressalvar que o pagamento integral diz respeito ao montante total devido, incluindo juros, multas e quaisquer outras penalidades que façam parte do cálculo do tributo.