Uma análise sobre os impactos da pandemia nas locações residenciais e não residenciais.
O rápido avanço do coronavírus (COVID-19) tem forçado autoridades do mundo todo a adotar sérias medidas de isolamento social, sendo editadas, quase que diariamente, uma série de regulamentações limitando o funcionamento de diversos estabelecimentos e comprometendo o desempenho de várias categorias empresariais.
A pandemia gerou impactos nas relações jurídicas, e em especial nos contratos de locação. A norma 8.245/91, também conhecida como lei do inquilinato, não traz de forma expressa uma resposta para a situação vivida na atualidade, o que nos leva recorrer à lei geral que, nas relações privadas, é o Código Civil.
O artigo 393 da normativa estabelece que ‘’o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior’’. Como caso fortuito podemos entender os atos humanos imprevisíveis e inevitáveis, e como força maior os eventos previsíveis ou imprevisíveis, porém, inevitáveis, decorrentes das forças da natureza. O mesmo dispositivo faz uma importante ressalva ao determinar que a regra só se aplica aos casos em que o devedor não houver expressamente se responsabilizado pelos prejuízos.
Já o artigo 478 e seguintes do mesmo código, apresenta a possibilidade da discussão judicial dos contratos que tenham prestações de execução continuada, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, podendo o devedor pedir a sua extinção ou pleitear que seja alterado o modo de execução da prestação, ou até mesmo a sua redução, a fim de impedir uma onerosidade excessiva.
O rompimento do vínculo contratual poderá ser evitado, se o credor aceitar modificar equitativamente as condições pactuadas. Aqui não se aplica a necessidade dos três anos de inalterabilidade do aluguel como ocorre na ação revisional prevista na lei do inquilinato.
Podemos encontrar outra resposta no artigo 567, também do Código Civil, ao determinar que nos casos em que, durante a locação, se deteriorar a coisa alugada, sem culpa do locatário, a este caberá pedir redução proporcional do aluguel, ou resolver o contrato, caso já não sirva a coisa para o fim a que se destinava. Essa deterioração pode ser interpretada de forma abrangente a ponto de abarcar a situação enfrentada atualmente, constituindo uma espécie de deterioração jurídica tendo em vista a inutilidade pratica do imóvel uma vez que embora exerça a posse direta do bem o locador está impossibilitado de usá-lo.
Nas locações não residenciais o locatário, para pleitear qualquer umas das ações apresentadas, deverá comprovar o prejuízo financeiro sofrido. A empresa terá que demonstrar a incapacidade de honrar o compromisso ou a necessidade de revisa-lo e sua ligação direta com as determinações emanadas pelo poder público, não sendo suficiente a simples alegação da ocorrência da pandemia. Não se vislumbra a mesma possibilidade nas locações residenciais, tendo em vista que o imóvel não sofreu nenhuma limitação do seu uso e destinação.
Por outro lado, temos a figura do locador que também foi acometido pelo mesmo fato, não podendo este suportar o prejuízo exclusivamente, inclusive os provenientes das despesas com condomínio e impostos prediais, além do locatário continuar exercendo a posse direta do imóvel, ainda que seja para manter seus bens.
A situação é extremamente delicada e deve ser analisada caso a caso, examinando o que estabelece o contrato firmado. Tanto locador, quanto locatário foram atingidos pelo mesmo mal com potencial de trazer prejuízos significativos a ambos. O melhor caminho diante do presente cenário é a boa e velha negociação, seja na locação residencial ou na não residencial, evitando que o locador pereça com o imóvel vago e que o locatário comprometa a perpetuidade do seu negócio ou que perca sua moradia.
Podem ser negociados desde a suspensão temporária da cobrança dos alugueis, até a sua redução, utilização do calção para custear os prazos em que o locador não puder arcar com os custos, manutenção do valor com a opção de pagamento dilatado ao longo do tempo ou em momento futuro, ou seja, tudo que não for contrário ao estabelecido na legislação que rege o inquilinato. Adotando essas medidas as partes evitam uma disputa judicial mantendo a relação contratual com ganhos recíprocos, mitigando assim os prejuízos.